Um caminho líquido


Por Ana Carolina Meirelles, Gabriela Ribeiro da Costa, Janine Letícia dos Reis, Marcos Túlio Resende Lima e Thiago Anselmo Barbosa

 Nas encostas e paralelas do Ribeirão Nossa Senhora do Carmo, pausava a vida de quem corria bandeiras para desbravar terras desconhecidas. O repouso trazia a água como o fluido necessário para tantos movimentos. No começo do Século 18, essas pausas desembocavam na descoberta de ouro no Ribeirão; e mais tarde, no desenvolvimento de uma pequena vila, que hoje é a cidade de Mariana.
Mapa da cidade de Mariana / Foto: Acervo IPHAN
Às margens do rio que assegurava a vida, a vila cresceu. Naqueles tempos, o povoado de Mariana se desenvolveu tanto pelos sertões dos rios Pomba, Muriaé e Doce, que chegou às fronteiras tortas do Rio de Janeiro. E nesse correr da história líquida, livre, até hoje estão as águas de Mariana. Ainda jorram por todos os lados, da Serra do Itacolomi e Cartuxa até incontáveis nascentes naturais que entremeiam os espaços da cidade. Elas descem pelas encostas e permitem abastecer à população.


História contada: abastecimento em chafarizes e aquedutos
 
Fonte do Jardim / Foto: IPHAN
         Nos tempos das saídas e bandeiras do Século 18, na encosta do Ribeirão Nossa Senhora do Carmo, a proximidade com o rio permitiu a abertura de poços artesianos para o abastecimento de água dentro do povoado. A administração portuguesa determinava que a captação e a distribuição da água eram de responsabilidade exclusiva de cada vila, embora as atribuições municipais fossem mal delimitadas e subordinadas à centralização monárquica.
          A partir do crescimento da vila é que surgem os chafarizes. Arquivos do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) indicam que o primeiro deles, o de São Francisco estava localizado na ladeira do bairro São Gonçalo por volta do ano de 1720. Segundo o responsável pelo Arquivo Histórico do IPHAN, Cássio Vinício Sales, estes monumentos eram obras públicas e financiadas pela Câmara de Mariana.
     Os chafarizes eram usados para o consumo d’água, que chegava diretamente das fontes. Hoje ainda é possível ver vários desses monumentos, mesmo que com conservação regular e a maioria sem funcionar. Na antiga Rua Aberta, atual Rua Dom Silvério, que começa ao pé da Câmara Municipal e termina no adro da Igreja de São Pedro, são encontrados dois deles: o chafariz Dom Silvério, próximo à Capela dos Anjos da Arquiconfraria, que se encontra em péssimo estado de conservação, como também o Chafariz da São Pedro, de 1749, projetado pelo Mestre Antônio Francisco Lisboa – O Aleijadinho – para abastecer à população de água potável.
           Foi a partir do Século 18 que a Câmara Municipal de Mariana deu início às obras de canalização da água. O Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo frequentemente inundava a Vila na época de cheias. Assim, afastou-se a cidade do rio – da região do atual Bairro São Gonçalo – e o espaço onde é hoje o centro histórico passou a ser ocupado. Neste período, houve a construção de pontes para que a população não ficasse ilhada em pontos da cidade durante as inundações, e a adoção de outras medidas a fim de proteger a cidade das cheias do Rio Nossa Senhora do Carmo.
        Em 1749, o governo local investiu na construção e manutenção de um sistema de abastecimento de água, com a edificação de um aqueduto subterrâneo e o primeiro chafariz de repuxo de Mariana. Os canos dos aquedutos e os chafarizes foram construídos com itacolomito e pedra-sabão, abundantes na região de Mariana.


Memória fluída

Sr. Alípio de Farias / Foto: Thiago Anselmo
        Da história contada nos arquivos à história vivida, a memória coletiva se faz habilidosa no traçar dos detalhes, das imagens de uma Mariana que já não se pode ver mais; perdida no tempo, nas letras ilegíveis a olhos nus dos documentos da antiga comarca; perdida nas fotografias e nos resquícios de chafarizes, eiras e beiras da Rua Direita. Mas viva. Há, porém, vozes a relembrar caminhos e descaminhos das águas da primeira Vila de Minas Gerais.
O comerciante Alípio de Farias tem boas recordações do córrego do Catete. Hoje totalmente poluído pelo esgoto, o curso d´água já foi bastante limpo há aproximadamente 50 anos: No córrego do Catete eu pesquei muito lambari. Lá em cima havia um açude que passava por cima do barranco para rodar o moinho. A meninada toda costumava nadar, era nossa piscina”, relembra.
Hebe Rola, mestre emérita pela Universidade Federal de Ouro Preto, recorda do abastecimento de água na zona rural: “Lembro da minha avó fazendo os poços pra regar as plantas. Também havia aquelas bicas enormes de bambu. A água jorrava o dia inteiro e não faltava”, completa.


Curso d’água: dos aquedutos aos canos de ferro

José Benedito/ Foto: Thiago Anselmo
Informações sobre as mudanças na rede de abastecimento da cidade ao longo dos anos são incertas. De acordo com funcionários da Câmara, a substituição do encanamento mais antigo aconteceu somente na década de 70. Depois disso, conforme a cidade foi crescendo, mais canos foram anexados para estender a rede, que é a mesma até hoje. Para o diretor do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE), Davison Miranda na época (novembro de 2012), a solução dos problemas da água no município começaria com a troca da rede de abastecimento, que hoje é de ferro e sem padrão algum.
Atualmente, a distribuição da água em Mariana é feita pelo SAAE, diferente da maioria das cidades de Minas Gerais, que recebem o tratamento feito pela Copasa, órgão estadual. O professor  José Benedito Donadon-Leal, da Universidade Federal de Ouro Preto, conta que há aproximadamente 15 anos houve uma solicitação do prefeito da época para trazer a Copasa para Mariana. Mas uma manifestação na cidade impediu a vinda da empresa: “A alegação era que a Copasa cobraria para fazer a distribuição e tratamento da água e a cidade não aceitou a proposta. Só depois dessa recusa que a prefeitura teve a preocupação com o tratamento e distribuição da água, criando o SAAE, que consiste simplesmente em um sistema de filtragem da água e cloração. Ele ajuda bastante para a obtenção de uma água de qualidade. Entretanto, não é um sistema tão garantido quanto o da Copasa em termos de qualidade de água”, argumenta o professor.
A realidade, é que nestes últimos 300 anos, poucas mudanças foram notadas no sistema de abastecimento de água em Mariana. Desta maneira, este é o motivo de conflito enfrentado pela população que sofre com a falta de água em diversos bairros, além de outras deficiências no abastecimento de uma cidade que já não é mais a Vila do Ribeirão Nossa Senhora do Carmo.





Edição final: Ana Carolina Meirelles, Gabriela Ribeiro da Costa e Janine Letícia dos Reis | Fotografia: Ana Carolina Meirelles e Thiago Anselmo Barbosa | Making-off: Marcos Túlio Resende Lima

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